O que é a iluminação realmente?

A vida do Buda — príncipe, guerreiro, meditador e, finalmente, professor iluminado
January 31, 2020
Como Xi Jinping da China destruiu a religião e se fez Deus
February 2, 2020

O que é a iluminação realmente?

Por Giovanni Dienstmann on sábado 31 de dezembro de 2016

Encontrar o verdadeiro caminho para a libertação

Monges budistas, iogues hindus, professores espirituais modernos e entusiastas do Homem Ardente usam o termo “iluminação espiritual” — mas eles estão falando da mesma coisa?

Neste artigo vou explorar o que é a iluminação espiritual, tanto a definição tradicional como a interpretação moderna. Não há consenso em torno deste tópico, e é uma área de intenso debate metafísico.

Meu propósito aqui é eliminar alguns equívocos, e discutir as atitudes ideais a desenvolver em relação a este objetivo elevado.

O termo iluminação tem diferentes interpretações tradicionais e modernas.

A Definição Tradicional

O conceito tradicional de iluminação vem das tradições espirituais da Índia — notavelmente as várias escolas de Yoga, Vedanta e Budismo — e denota o mais alto estado de realização espiritual. O fim do caminho.

Alguns dos sinônimos para a iluminação, dados por diferentes escolas de pensamento, são:

Budismo — Nirvana, Libertação, Despertar, Cessação

Yoga — Libertação (moksha, mukti), Realização, Liberação, Solidão (kaivalya), União (yoga), Perfeição (poorna)

Vedanta — Auto-realização, Autoconhecimento, Jnana

O conceito de iluminação vem das tradições espirituais da Índia.

A Raiz do Iluminismo

Todas estas tradições têm vários pontos de desacordo quando se trata de definir a “natureza metafísica” da iluminação. No entanto, na sua raiz, todos parecem concordar em pelo menos três pontos:

É permanente (não pode ser perdido uma vez atingido)

Envolve transcender o ego

É o fim de todas as formas de sofrimento

Como pode ver, a barra está alta.

Há semelhanças entre este conceito e o que é chamado de Salvação ou o “Reino de Deus” no misticismo cristão, e “União com Deus” no Sufismo, mas explorá-los está além do escopo deste artigo.

Concepções modernas

De acordo com o Bhagavad Gita, apenas uma em cada bilhão de pessoas “conhece a Verdade”, isto é, é Iluminada. No entanto, hoje em dia há muitas pessoas que se julgam iluminadas. Sendo assim, para 99% dessas pessoas, uma das seguintes situações é verdadeira:

(a) Acreditam ser mais avançados no caminho do que realmente são.

(b) Eles postulam diferentes níveis de iluminação, chamando a definição tradicional de “iluminação completa”, e se colocam em algum lugar nessa escala.

(c) Consideram a definição tradicional de iluminação mítica, exagerada ou impossível. Incapazes de compreender nem mesmo como alcançá-la, redefinem a libertação de acordo com o seu nível de experiência.

Sempre haverá pessoas na categoria “A”, e não estou tão preocupado com isso. O ego é um mestre do engano, e pode se cronometrar na espiritualidade também.

As pessoas tendem a redefinir a iluminação para se adequar à sua própria jornada espiritual.

O Verdadeiro Despertar

Eu também não tenho nenhum problema com a categoria “b”, embora eu ache potencialmente confuso e enganoso nomear certas etapas do caminho como “iluminação” quando eles realmente não cumprem os padrões tradicionais definidos para este estado (como por referências hindu e budista).

Há níveis de experiência. Não há níveis de realização. — Ramana Maharshi (parafraseado)

Há muitos marcos no caminho, após o que ocorrem transformações profundas e permanentes, e muita da possibilidade de sofrer no futuro simplesmente desaparece. Falo disso por ter observado vários professores, e também por minha própria experiência pessoal. Esses marcos são mais bem chamados de “despertar” — e há muitos despertares antes da iluminação/libertação final.

Há muitos despertares no caminho antes de chegares à iluminação final.

Distorcendo o significado

Seguindo em frente, o verdadeiro problema são as pessoas na categoria “c”. Eles estão distorcendo o significado essencial da iluminação. Talvez eles confundam certos despertares ao longo do caminho com a libertação total, julgando-se serem iluminados.

Para “fazer isso funcionar” para si, eles precisam redefinir a iluminação em termos mais suaves, de modo que corresponda ao seu nível. E então, porque obviamente há muito trabalho ainda pela frente para eles, ou eles dizem que “a iluminação é um passo na jornada e não o fim dela” ou eles fingem que tudo o que ainda falta não é importante (como a maioria dos neo-advaitinos).

Eu não quero dizer que todos que dizem ser iluminados estão sendo enganosos — nem isso significa que eles não são professores espirituais eficazes. Mas, se eles não atendem aos “requisitos tradicionais”, parece-me que eles estão faltando humildade ou auto-consciência. Ou então eles devem usar outra palavra para descrever sua experiência/estado.

O significado essencial da iluminação é distorcido nos tempos modernos.

A verdadeira natureza da realidade

Olhando para o lado positivo, no entanto, mesmo essa irrigação da iluminação é benéfica para algumas pessoas, uma vez que faz com que se sinta mais realizável. Com isso vem maior motivação e dedicação à prática espiritual.

Ainda assim, pode-se obter esse benefício sem distorcer o ensino inicial.

Muitas das tradições concordam que a iluminação já está aqui e agora, e que é a nossa verdadeira natureza — ou a verdadeira natureza da realidade. Não é que tenhamos de o conseguir ou de o tornarmos, mas sim de eliminar os obstáculos à sua expressão.

Os únicos obstáculos no seu caminho são aqueles que você mesmo colocou lá.

Caminho repentino vs Gradual

Alguns ensinamentos consideram a libertação como uma meta, algo para ser trabalhada conscientemente e metodicamente. Eles enfatizam a necessidade de transformar e purificar a mente — ou mesmo transcendê-la completamente — através de práticas como meditação, estudo espiritual, ética, devoção, etc. Podemos chamar isso de abordagem gradual.

Outras tradições preferem enfatizar o aspecto “já presente” da iluminação e, em seguida, centrar mais os ensinamentos em torno de inquirir a sua verdadeira natureza e simplesmente viver no presente com o não-apego. Podemos chamar isso de abordagem repentina.

Uma combinação de práticas parece mais desejável. Ou pelo menos estar ciente das armadilhas de sua abordagem particular. O buscador em um caminho gradual também pode cultivar a sensação de que tudo é perfeito aqui e agora, e que a verdadeira natureza é sempre acessível. Por outro lado, o buscador em um caminho repentino pode cultivar as práticas e qualidades mentais da “abordagem lenta”, e contemplar a verdade da iluminação súbita, cultivo gradual.

As tradições ensinam diferentes maneiras de alcançar a iluminação que são repentinas e graduais.

Uma direção, não um gol

A iluminação completa é possível, e não é apenas para os monges. No entanto, é extremamente raro. Acredito que em qualquer momento do mundo há provavelmente menos de uma centena de pessoas nesse pico de conquista.

Quando esta verdade se torna clara sobre o quão elusiva e rara iluminação completa é, muitas pessoas se sentem desencorajadas, frustradas ou desmotivadas. A quantidade de esforço envolvido é tão grande, e os requisitos de tempo são tão consideráveis, que muitos simplesmente concluem que “a iluminação não é para mim; eu nunca poderia praticar como aqueles mestres”. Para a maioria das pessoas, procurá-la obsessivamente é na verdade uma fonte de sofrimento.

Todas essas questões acontecem quando tomamos a iluminação como um objetivo difícil, e nos agarramos a ela. E todos esses problemas desaparecem no momento em que fazemos um pequeno ajuste em nossa mentalidade.

Não se desencoraje com o quão raro parece encontrar iluminação completa.

Um ajuste de mentalidade

O que é esse ajuste? Olhar para a iluminação como uma direção, em vez de um objetivo.

Uma meta nem sempre é destinada a ser atingida. Muitas vezes serve simplesmente como algo para mirar. — Bruce Lee

Esta atitude também impede os seguintes problemas: (a) sentir que você não é bom o suficiente, ou digno; (b) sentir-se frustrado com a lentidão do seu progresso ou o tamanho da estrada pela frente; (c) querer desistir; (d) diluir o conceito original de iluminação.

Uma vez que você o considera como uma direção, você é muito mais suave sobre isso. Você é capaz de aproveitar melhor o próprio caminho, sem ansiedade, e crescer em direção à libertação de uma maneira mais orgânica. Também se torna menos provável que sua busca espiritual interfira negativamente com outros aspectos de sua vida.

Caminhe o caminho para a libertação vendo a iluminação como uma direção, não uma meta.

Colocando as coisas em perspectiva

Em muitas tradições, os ensinamentos são bastante binários: ou você é ignorante, ou iluminado. No entanto, uma vez que a iluminação é tão rara e elevada, esta forma de ver as coisas muitas vezes pode ser inútil. Há mil marcos importantes que podem acontecer antes da iluminação completa, e muitos deles mudam a vida. Reconhecer esses “mini-despertar” pode ajudar a manter o buscador motivado e no caminho certo.

Os iogues avançados, monges e mestres com os quais podemos comparar-nos estão no auge do seu caminho. Eles são como os atletas olímpicos de meditação. Muitos de nós somos apenas amadores sérios, aficionados ou semi-profissionais. Poucas pessoas vão praticar como esses mestres. Mas todos — você inclusive — podem praticar um pouco, e com o tempo desfrutar de uma vida muito mais feliz, mais pacífica e mais significativa.

É claro que podemos e devemos olhar para aqueles que encarnam completamente o estado de libertação, com o propósito de sermos inspirados a caminhar nessa direção. Mas isso deixa de ser útil uma vez que se transforma em uma comparação auto-degradante.

Não se compare com os outros, mas mantenha uma visão aberta de sua própria jornada.

Aproveitando o Caminho

O caminho espiritual existe para que possamos nos libertar do sofrimento. Para que possamos encontrar a verdadeira paz, o amor, a sabedoria, o significado. Para que possamos viver uma vida profunda, uma vida de verdade. Aprendamos, pois, a seguir este caminho e a crescer nele de forma gentil — sem violência contra nós mesmos (ou contra os outros), pois isso vence o propósito.

Aprendamos a desfrutar do próprio caminho. Então não haverá sacrifício. Sem luta. Apenas a expansão natural da consciência.

Se você forçar uma criança a crescer rapidamente e abandonar todos os seus brinquedos, isso não será efetivo. Mesmo que ela cresça mais rápido do que o habitual, ela se ressentirá desse crescimento e guardará apegos secretos aos brinquedos que foram abandonados prematuramente.

Aprenda a desfrutar do caminho espiritual e deixar ir a luta.

Crescendo Organicamente

Se, em vez disso, você simplesmente facilitar seu crescimento, chega um momento em que a criança sente como desistir desses brinquedos de sua própria vontade. Este é o crescimento orgânico — indolor, natural e oportuno.

Esse tipo de crescimento é dificultado quando tentamos nos comparar com os outros no caminho espiritual, fingindo estar à frente de onde realmente estamos, ou nos agarramos com força ao objetivo final. Então, vamos evitar essa armadilha e focar na jornada agora, onde realmente estamos, um passo de cada vez.

Com o tempo, à medida que nossa prática se aprofundar, haverá uma sensação de alegria, paz e liberdade que vem de sua prática espiritual que é diferente de qualquer coisa que você possa experimentar em outros lugares. Quando isso começa a acontecer... então, se você ainda leva 5 meses, 5 décadas, ou 5 vidas para alcançar a iluminação, não vai importar muito. Você está feliz e bem, em seu lugar único no universo, e nada mais importa.

Reserve algum tempo para aprofundar sua prática e permitir que seu crescimento pessoal se desenvolva organicamente.

Seu Caminho Único

Os primeiros sinais de progresso no caminho do Yoga são saúde perfeita, leveza física, um rosto luminoso, uma voz bonita, e liberdade do desejo. — Svetasvatara Upanishad

Nada mal, eu diria.

Para o meu lado, não pratico 16 horas por dia como os monges fazem, nem sigo os ensinamentos perfeitamente. Eu medito 2 horas por dia, e tento seguir os princípios e práticas durante o dia com o melhor de minha capacidade. E posso dizer-vos, por experiência pessoal, que os frutos dos primeiros passos no caminho da Libertação são mais valiosos do que qualquer coisa que o mundo possa me oferecer.

Tendo isso em mente, e o Iluminismo como um Norte (em vez de um objetivo obsessivo), mantenho o caminho feliz, sabendo que estou fazendo o melhor que posso fazer com a minha vida. Se a iluminação existe ou não, se é possível para mim ou não — procurá-la parece levar a uma vida boa.

O caminho que você toma é a sua própria jornada e cada passo leva você a uma vida mais feliz.

Pensamentos de despedida

De certa forma, a iluminação e o serviço espiritual são a meta e o propósito de todos os meus esforços. Mas de uma perspectiva mais pragmática, eu simplesmente pratico porque pratico. Eu pratico porque é a melhor maneira de viver.

Vamos buscadores espirituais levar a iluminação a sério, sem mudar o significado original deste estado — para que não nos divervamos em trilhas laterais que só nos levam a meio caminho.

Tomemos a iluminação como uma direcção, um Norte — e não um objectivo difícil a que nos agarrarmos. Se a iluminação acontecer, isso é ótimo. Caso contrário, caminhemos com a convicção de que mesmo os primeiros passos verdadeiros no caminho da libertação já trazem mais benefícios e superpotências para a vida do que qualquer coisa que possamos encontrar neste mundo.

%d bloggers like this:
The Buddhist News

FREE
VIEW